quarta-feira, 17 de abril de 2013

Capítulo 2: A toca do coelho

Capítulo 1

PRÓLOGO DO CAPÍTULO 2

 “É tarde! É tarde! É tarde”
Poderia ser o Coelho Branco
Atrasado para a festa da Rainha de Copas
E eu como Alice, me jogaria na toca para ver onde dá

Mas não é o Coelho
Não existe País das Maravilhas
E os corações são cartas fora do baralho

O grito vem do mundo
Nos fazendo acreditar que estamos sempre atrasados
Precisamos trabalhar mais
Precisamos estudar mais
Estar mais conectados
Andar mais rápido
Competir mais
Sermos os melhores

E nisso esquecemos de ser
O melhor que podemos ser

Não há País das Maravilhas
Mas há o Mundo Através dos Espelhos
E quando olhamos através dos espelhos
Descobrimos que não nos reconhecemos mais

“É tarde! É tarde! É tarde”
A vida passou e você não viu
E agora é tarde demais


CAPÍTULO 2

- Sophie... Sophie...
(não há sabedoria no mundo que resista a intimidade)
Sophia não sabia onde estava, nem como havia chegado ali. Aliás, não sabia nem muito bem quem era, mas lembrava seu nome, que agora era chamado por uma voz translúcida, que não chegava bem a ser uma voz. Não tinha uma origem certa, vinha de todos os lados e de lado nenhum, talvez viesse de dentro dela, de dentro da sua mente. Era uma voz-luz que como os raios de Sol em um dia nublado a transpassavam, não era possível ver, não era possível determinar a origem, mas era possível sentir o calor que eles proporcionavam. 

Os raios de Sol só são invisíveis porque nós somos incapacitados para vê-los, já as abelhas conseguem enxergar muito bem o ultra-violeta. Talvez se Sophia fosse uma abelha ela soubesse a origem daquela voz.

O melhor a fazer era tentar se localizar e lembrar como tinha ido parar ali. A princípio ela parecia estar dentro de um nevoeiro, e não passava de uma par de olhos e ouvidos, pois não via nem sentia nenhuma outra parte do seu corpo. Só era capaz de enchergar aquele nevoeiro e ouvir uma voz que chamava seu nome. Não sabia identificar se essa voz era masculina ou feminina, pois nem ao menos era uma voz. Não gostava nada daquilo. Apesar de adorar pensar na vida que poderia ter tido, mas não teve, sua grande sabedoria era ter o pé no chão. Gostava de entender como as coisas funcionavam, aprender de tudo um pouco (nunca se sabe quando um conhecimento inútil pode se tornar útil).

Então por algum motivo ela achou que se fechasse os olhos e respirasse fundo três vezes. Tudo faria sentido novamente.

1

...

2

...

3

...


O nevoeiro tinha sumido, e a voz também. Era como se nunca tivessem existido.

********************************************************************

Jorge acordou num susto! Um pouco ofegante. Se lembrava de um nevoeiro, mas não tinha muita certeza. Estava um pouco confuso, olhou para si, para sua espada na bainha, não sabia como havia chegado ali, pra ser honesto, ele nem sabia onde era "ali".

Olhou em volta, avistou um castelo ao longe. Voltou a si! Procurou pelo seu cavalo, seu único e fiel amigo nessa vida desgastante de viagens. Confirmou se havia guardado todas as especiarias, hora de prosseguir.

Vida de mascate não é algo fácil. Ao mesmo tempo que você conhece várias pessoas, você não se conecta a ninguém, o velho clichê do "sozinho no meio da multidão", você conhece lugares incríveis, mas não pertence a lugar algum, e quando está cansado, não tem para onde voltar, não tem um lugar para chamar de casa.

Mas qual opção? Somos sempre escravos. Se Jorge tivesse optado em ficar no feudo onde nasceu, seria um escravo da sua condição de nascimento, nunca veria além daqueles muros, nunca conheceria ninguém fora daquelas terras, se casaria com alguma "boa moça" combinada pelos seus pais, e teria filhos que seriam escravos como ele. Preferiu a solidão. Virou escravo se sua liberdade, escravo de suas próprias escolhas.

Ela nunca tinha andado por aquelas bandas. Olhou para a céu: tempestade a vista! O feudo não estava longe, só esperava que eles fossem hospitaleiros.

Chegou lá no momento em que o Sol estava se pondo, esperaria um novo dia para falar com o Senhor daquelas terras. Já tinha conseguido autorização para ter abrigo e um simpático camponês estava levando-o até a estalagem, quando uma nuvem negra por um segundo cobriu o poente, em seguida um raio quente e acolhedor acertou em cheio o nosso herói, fazendo ele virar o rosto e se deparar com o castelo.

E no alto da torre ele teve uma visão: Uma mulher, cabelos na altura da cintura, ela estava nua. Definitivamente, a mulher mais linda que ele já tinha visto na vida. Estarrecido com a aparição inesperada, ele congelou enquanto olhava. Ela fez alguns movimentos com a mão e então se jogou lá de cima.

Ele fez um leve movimento que indicou a intensão de correr na direção dela para salvá-la. Puro instinto! Se ela estivesse realmente em perigo teria morrido, pois ele estava longe demais para chegar a tempo. Mas no segundo seguinte ele parou, para observar o mergulho dela num lago que ficava em frente a torre.

Então ele se vira para o camponês e pergunta

- Mas quem é aquela bela Dama?
- Esqueça isso, rapaz. Ela é a guardiã do lago e filha do nosso Senhor. Se ele ao menos desconfiar que você olhou para ela, despeça-se da sua vida.

Um novo raio de Sol, quente e acolhedor o encontrou. Então ele se lembrou do nevoeiro... Aquela voz... Não! Ele não estava em perigo! Ele tinha um propósito.

Saiu correndo em direção ao castelo, apesar do pobre camponês gritar para que ele não fizesse isso.

Subiu as escadas correndo gritando pela sua bela Dama! Quando a encontrou, ela estava saindo do seu quarto... De roupão, mas aquilo pareceu bem normal para Jorge, que já não era Jorge, mas Sophia que lembrou de si.

Ele segurou no braço dela, olhou profundamente em seus olhos, aquele olhos castanhos e suaves. E com uma voz que misturava medo, desespero, mas muita convicção e disse:

- Você pode me achar louco, e talvez eu esteja, você não me conhece, mas eu conheço você, eu vim do futuro... E é uma história complicada... Você é minha alma gêmea, e eu te amo... Você precisa acreditar em mim, não tenho muito tempo para explicações, mas eu errei... Eu errei com você... Eu te perdi... Eu... Eu... Eu te deixei ir embora... Mas a vida me deu uma chance... Numa outra vida, estar com você, e eu não quero te perder, você precisa acreditar em mim!

Lúcia olhava para aquele desconhecido sem entender nada... Mas ela sabia que era verdade... Aqueles olhos, aquele olhar... Ela era uma bruxa, a mais poderosa, e sabia que os olhos são a janela da alma, e ela se via refletida naqueles olhos, ela estava lá. Ele prosseguiu:

- Agora... Aqui... Eu me lembro! Eu me lembro! Seu noivo e seu irmão...
- Como você sabe que estou noiva?
- Eu simplesmente sei... Nessa vida... Quando nos encontramos... Você largou seu noivo... Fugiu comigo... Ele e seu irmão... Foram a um feiticeiro, ele nos amaldiçoou, no dia do nosso casamento... Em todas as vidas, vamos nos encontrar, mas nunca poderemos ficar juntos...

Ele mal terminou de falar enquanto tomava fôlego pela corrida, e sente algo encostar na sua nuca.

- Se afaste da minha irmã, Vassalo!
- Pode me matar, eu não vou a lugar algum, eu nunca mais vou a lugar algum!
- Tenha certeza que eu vou te matar, mas devido a sua ousadia não será nem rápido nem sem dor.
- Não me importo. Eu simplesmente pedi uma nova chance! Quem sabe se eu morrer aqui, assim, por ela, no futuro, em uma outra vida, ela se lembre, e isso seja o suficiente para quebrar a maldição!
- Maldição? Outra vida? Do que você está falando, louco?

Ele olha para ela com todo seu amor no olhar e como uma despedida diz:

- Meu amor, lembre de mim! Lembre que eu te amo! Lembre que eu voltei até aqui, só para poder dizer que eu te amo, e te fazer lembrar... Eu nunca parti, que isso seja o bastante para você também jamais partir...

Ela não tinha certeza se conseguiria, se tentasse, só teria uma chance... Mas era o único modo... Jogando-se nos braços dele, ela o abraçou forte e disse num sussurro "feche os olhos e confie e mim..."

Ele confiou... Ao abrir os olhos, estavam em seu cavalo, longe de qualquer maldição, longe de tudo, longe de suas próprias vidas... Ela o abraçava, ele sorria... Falam que lar é um lugar, mas para ele, era uma pessoa.... Estar em casa era estar nos braços dela, não importando onde seja.

Chegaram a um moinho, ele apeou do cavalo, e a tomou em seus braços. Eles simplesmente se olhavam e sorriam, nenhuma palavra era necessária.

Dentro do moinho era onde os criadores locais estocavam algum feno, ele a deitou delicadamente e começou a se aproximar para seu primeiro beijo em sua alma gêmea naquela vida...

Mas enquanto se aproximava, tudo foi sumindo e ele ouvia uma voz dizendo cada vez mais alto "É tarde! É tarde! É tarde!"...

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Sophia acordou assustada com sua mãe dizendo que era tarde e ela iria se atrasar para o serviço.

Foi então que ela percebeu que perdeu a hora, e não importava o quanto ela desejasse, o tempo não voltaria atrás... E num suspiro dolorido ela deixou escapar murmurando "Ahh Anita... Como eu queria que fosse verdade..."




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